Como o Brexit se mostrou um desastre para a economia britânica

Apolo Ferreira By Apolo Ferreira
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Sexta maior economia do mundo, o Reino Unido já teve dias melhores. Três anos após a conclusão do Brexit, processo de saída da União Europeia, a cisão não tem trazido os resultados prometidos.

Formado por Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte, o Reino Unido enfrenta hoje uma combinação entre crescimento abaixo de outros países desenvolvidos, inflação elevada e cenário político conturbado.

Os próximos anos deixarão mais claro o quanto a crise atual foi efetivamente influenciada pelo Brexit. Ainda assim, um consenso é que a transição agregou dose significativa de incertezas, se somando a um período que já seria desafiador por si só com a pandemia da Covid-19 e a guerra na Ucrânia.

“Desde o referendo, o Brexit empobreceu o Reino Unido ao aumentar os preços das importações, cortar investimentos e reduzir o comércio com a UE”, diz ao Metrópoles Thomas Sampson, professor associado no Departamento de Economia da London School of Economics (LSE), na Inglaterra.

“O PIB do Reino Unido é provavelmente cerca de 3% a 5% menor do que seria se os britânicos tivessem votado para permanecer na UE”, diz Sampson.

Embora a saída oficial só tenha ocorrido em janeiro de 2020, o início da trajetória do Brexit completou sete anos no último mês de junho. A escolha dos britânicos por deixar a UE ocorreu em um referendo levado a cabo em 2016, em votação na qual 52% dos eleitores optaram por deixar o bloco.

O Reino Unido sempre manteve algum distanciamento dos vizinhos europeus (continuou, por exemplo, usando a libra em vez do euro, o que facilitou a transição para fora do bloco). Ainda assim, estava na UE e nos fóruns que antecederam a união completa há quase 50 anos.

Com tantas décadas de integração, os últimos anos exigiram reorganização por parte dos agentes econômicos. Um grupo de pesquisadores estimou que, antes mesmo de a saída se concretizar, os efeitos dos anos de incerteza pós-referendo podem ter reduzido o investimento das empresas em 11%.

Um dos co-autores do estudo, o economista Nicholas Bloom, professor da Universidade de Stanford e ex-funcionário do Tesouro britânico, diz que o Brexit “claramente” reduziu o crescimento e que os cenários negativos projetados antes do referendo se provaram realidade.

“Então, esse impacto não é surpresa”, diz Bloom ao Metrópoles. “Ao reduzir nossa capacidade de negociar com a Europa, nosso principal bloco comercial, o Reino Unido perdeu cerca de 1% do crescimento do PIB por ano desde a votação do Brexit.”

“Isso se manifesta principalmente em produtividade mais baixa, menos investimento em capital e intangíveis como inovação e treinamento e, em última análise, lucros e salários mais baixos”, diz Bloom.

A lista de desafios começou ainda durante a transição, quando persistiam muitas dúvidas sobre qual acordo seria feito com os europeus – o que gerou problemas para as empresas locais, com grandes multinacionais transferindo suas sedes para fora de Londres ou fazendo planos de contingência.

Depois, o acordo comercial que foi efetivamente fechado para substituir a antiga relação com a UE não solucionou todas as questões. Uma pesquisa recente da Câmara de Comércio Britânica mostrou que o novo acordo pós-Brexit ainda “não está entregando” o esperado para três quartos das empresas.

Um dos riscos para o médio e longo prazo é a redução na atração de talentos, com números mostrando queda na integração entre universidades e burocracia ampliada para trabalhadores europeus trabalharem no Reino Unido. Um comitê do governo já avalia que o Brexit gerou “um choque de oferta” de mão de obra no país.

Enquanto isso, a economia britânica tem se saído pior do que os pares. A inflação fechou em 6,6% em junho, acima da zona do euro (5,5%) e dos EUA (3%). E mesmo com crescimento abaixo da média: ao fim do ano passado, o Reino Unido era o único país do G7 cuja economia ainda estava abaixo do patamar pré-pandemia.

Na visão de Bloom, de Stanford, “o fraco desempenho econômico do Reino Unido, em comparação com o resto da Europa e os EUA, é quase inteiramente devido ao Brexit”.

Por outro lado, os frutos prometidos com a cisão, como maior autonomia para fechar acordos comerciais, não se provaram suficientes até agora. Desde o Brexit, os principais acordos fechados foram com Japão e Austrália, e com impactos estimados menores do que as perdas ao deixar a relação irrestrita com o mercado da UE.

Parte dos economistas dirá que, provavelmente, nem tudo é culpa do Brexit. A economia britânica teve de lidar com os efeitos da covid-19 e, por fim, os choques da guerra na Ucrânia. O caos político que tomou conta do reino também ajudou a piorar o cenário – o país já teve quatro primeiros-ministros desde o referendo do Brexit, três só no ano passado.

Sampson, da LSE, diz que é “cedo” para avaliar completamente a questão, e que o Brexit “não tende a ser” o principal fator especificamente no caso da inflação. Mas aponta que o Reino Unido enfrenta “desafios econômicos sérios” para os próximos anos.

“Talvez o mais importante seja aumentar o investimento empresarial”, diz. “Dado o descontentamento generalizado com a forma como o Brexit foi tratado, é provável que a relação econômica e política entre o Reino Unido e a UE continue a ser tema de debates na próxima década”, diz Sampson.

O Reino Unido terá, ainda, novas eleições gerais em 2026, em que o Partido Trabalhista, de oposição ao governo atual, tentará voltar ao poder pela primeira vez desde Gordon Brown (2007-10). Embora pesquisas já mostrem mais de metade da população afirmando que o Brexit tem tido resultados ruins para a economia, os trabalhistas garantem que não consideram reverter a saída.

Passados os primeiros anos em que o Brexit monopolizou o debate econômico, o Reino Unido entra em uma nova fase: nela, terá de encontrar formas de voltar a crescer de forma consistente, embora mais isolado do que esteve no último meio século.

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