Arquitetura de entretenimento

Apolo Ferreira By Apolo Ferreira
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Ela estudou arquitetura, mas nunca pensou em projetar casas ou prédios. Seu sonho era fazer cenários. Mineira de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, Andreza Abdanur se mudou para São Paulo na cara e na coragem. Bateu na porta de uma montadora de cenários, sem ter nenhuma experiência, e foi se envolvendo com o mercado de eventos. Até que fundou, há 13 anos, o Studio Panda, que desenvolve projetos para grandes empresas, como Netflix, Peugeot e YouTube, na área de arquitetura de entretenimento. “É um tipo de arquitetura que vai aflorar sentimentos e transportar as pessoas para outro tempo e espaço”, explica Deza, apelido pelo qual ficou conhecida. O trabalho envolve áreas como arquitetura, publicidade, design, marketing, cinema, artes e tecnologia. A empresa, com sede em São Paulo e Paris, na França, está desenvolvendo o projeto do Parque Vila Olímpica, na capital paulista, que será palco de diversas atrações durante os Jogos Olímpicos de 2024.

Como começa a sua história?
Sou de Uberaba, no Triângulo Mineiro. Minha mãe é artista plástica e isso fez total diferença na minha vida. Vivo com arte desde que me entendo por gente. Nas festas de aniversário, ela fazia tudo e hoje entendo que era cenografia. Aquilo me encantava. A minha primeira opção de faculdade era cinema, uma das minhas paixões, desde pequena. Quando fiz 15 anos, ganhei de presente uma TV por assinatura e ficava o dia inteiro assistindo videoclipes e filmes. Queria estudar cinema para fazer cenografia de filmes e peças de teatro. Cheguei a pensar em fazer publicidade, mas acabei partindo para a arquitetura. Sempre gostei de matemática, dava aulas particulares e a profissão que misturava arte com exatas era arquitetura, por isso escolhi o curso. Mas nunca quis fazer nada na área de construção civil, casa ou prédio, pensava em algo mais artístico. Me formei em arquitetura em 2004 e estou em São Paulo há 19 anos.

“Quanto mais sua marca é vista, mais ela se espalha e mais as pessoas falam dela. Então, essa é uma estratégia para reforçar a identidade da marca”

Por que você decidiu ir para São Paulo?
O Triângulo Mineiro sofre mais influência de São Paulo do que de Belo Horizonte e eu queria trabalhar com uma área que nem existia na minha cidade. Quando me mudei para cá, já vim com o objetivo de trabalhar com cenário, mas queria cenário para TV. Consegui o meu primeiro trabalho em um escritório de arquitetura. Pensei: pelo menos vou ganhar dinheiro para chegar aonde quero. Em paralelo, pesquisei as maiores empresas de eventos e cheguei a uma montadora de cenários. Larguei o trabalho fixo no escritório de arquitetura para virar freelancer. A gente detalhava os projetos e acompanhava a construção. Isso me trouxe muito knowhow. Entendia como construía, qual material era utilizado, como funcionava a desmontagem e aquilo foi me direcionando. Cheguei a fazer estágio por dois meses na produtora do Fernando Meirelles, a O2, mas era muito diferente do que estava imaginando. Descobri que trabalhar com eventos corporativos era muito mais dinâmico. O pessoal ficava me ligando, o mercado estava muito aquecido. Depois de seis anos, abri a minha empresa.

O que você trouxe de novo para o mercado de eventos?
Comecei a perceber que muitos clientes gostavam dos projetos, mas, como sempre estavam vinculados à construção, acaba não ganhando porque saía fora da verba. Então, tivemos a ideia de desvincular uma coisa da outra. Eu e o Alan Godoi, meu amigo e sócio, que também é arquiteto, abrimos a Panda Cenografia, em 2010, com essa proposta de separar o projeto da construção. Passamos por dois anos muito difíceis, porque não existia essa lógica no mercado. Até que um dia tivemos a oportunidade de fazer um projeto para a Adidas que ia acontecer fora do Brasil. Nenhuma montadora de cenário quis fazer, porque eles precisavam só do projeto, iam construir tudo lá na Alemanha. Aí nos indicaram. A partir disso, começamos a trabalhar muito mais. Foram 10 anos de muito trabalho, atendendo praticamente todas as agências de São Paulo. Não tínhamos nenhum concorrente nesse formato. A nossa vida era uma loucura. Começava a trabalhar às 9h e terminava às 23h. Nesses 10 anos, entregamos mais de três mil projetos. Eram 30 projetos por mês. Fomos criando metodologias criativas para conseguir entregar tudo muito rápido. Fizemos muitos projetos para as Olimpíadas, Copa do Mundo, Salão do Automóvel era todo ano, festivais como Lollapalooza e Rock in Rio. Atendíamos empresas grandes e fomos aumentando o portfólio.

O que quer dizer arquitetura de entretenimento?
Podemos dizer que é a arquitetura que tem um apelo visual maior. A gente que deu esse nome. É um tipo de arquitetura que vai aflorar sentimentos e transportar as pessoas para outro tempo e espaço. Se conseguir fazer isso, é arquitetura de entretenimento. Essa é uma área que tem tudo a ver com publicidade. Por isso, falo que sou uma arquitetura que está no mundo dos publicitários. A intenção é entreter, materializando um conceito na cenografia, trazendo a marca para o mundo físico. Chamamos isso de experiência de marca.

Quais conhecimentos e habilidades esse trabalho envolve?
Você tem que ter noção técnica, de escala e fluxo de pessoas, e noção estética para transformar a loucura criativa em um cenário. O que me atrai nessa área é o dinamismo. Trabalhar o tempo todo com criatividade, pesquisando referências visuais, traz agilidade. Tem também a questão do desprendimento. Você faz o projeto, constrói e, depois de um mês, tudo acaba, vai para o lixo.

Quais são as etapas de um projeto?
O cliente me passa necessidades técnicas e desejos, o que ele sonha em ter no projeto. Faço pesquisa de tendências na sua área específica, quais cores e formas estão usando mais. Quase todo ano vou à feira de design de Milão, não para ver produtos, mas para ver os estandes. O que está acontecendo lá se espalha pelo mundo inteiro no ano seguinte. Agora, por exemplo, estão usando formas arredondadas. Visitei a CASACOR em São Paulo e confirmei essa tendência, que já vinha do ano passado de Milão. Em cima das necessidades do cliente, vou juntando referências visuais e crio um moodboard. Mostro qual caminho criativo vou seguir, as cores, os materiais, a iluminação. Aquilo vira um documento inspiracional. Fico muito ligada aos desejos e dores da marca para não errar. Por exemplo: fazemos muitos projetos para o YouTube e temos que usar vermelho, porque é a cor que identifica a marca. Viajo muito, tenho uma vida social bem ativa e sempre reparo tudo por onde passo. Gosto muito de moda, design e gastronomia. Depois que aprovo o moodboard, vou para o desenho técnico. Faço uma planta com as áreas gerais e mostro como será a jornada do usuário, de quem vai visitar o evento, sempre olhando o fluxo e as referências visuais já aprovadas. Depois finalizamos o projeto com imagens em 3D, o mais fiel possível da realidade, com formas e materiais que vamos usar.

Em que tipo de projeto a arquitetura de entretenimento se encaixa?
Todo tipo de evento corporativo, de feira a convenção e congresso, ou uma experiência imersiva, como uma instalação no meio de um grande festival. Fazemos qualquer tipo de cenografia que queira transmitir uma experiência de marca. Já fizemos projeto para Netflix lançar uma série em uma estação de metrô e para a Peugeot lançar um carro na CASACOR.

Existe limite para este tipo de projeto, ou tudo é possível?
Os únicos limites são a verba e as regras do espaço. Fora isso, tudo é possível. Na Pinacoteca de São Paulo, por exemplo, tudo tem que estar em pé sem escorar em lugar nenhum. Cada espaço tem suas regras e precisamos fazer uma visita técnica para entender isso.

Qual foi o projeto mais desafiador até hoje?
O da Netflix, na estação Fradique Coutinho, do metrô de São Paulo, no ano passado. Foi muito desafiador tanto pelo tema quanto pelo espaço, a rigidez da burocracia e o prazo. Quando entramos lá, fazia 10 anos que nenhuma empresa conseguia aprovar um projeto, e nós conseguimos. Tivemos um mês para criar a arte, aprovar, fazer o projeto e produzir. Era uma cenografia mais teatral para divulgar a quarta temporada da série “Stranger Things”. Vimos que tinham vãos que quase ninguém usava e montamos a floresta de onde saía o monstro. Conseguimos jogar luz sem atrapalhar o fluxo dos passageiros. A floresta era de fibra de vidro com adereços para parecer que era de madeira. Imprimimos o monstro em impressora 3D e pintamos com pintura artística para ficar exatamente igual ao da série, na mesma escala. Queria ter colocado o som do monstro, mas não podia, porque ia atrapalhar o som do metrô. Fizemos também a van que capotava. A parte da sala com o sofá virou passeio de família. Todo mundo queria tirar foto lá, tanto que começou a atrapalhar o fluxo de pessoas. Aos poucos, estamos migrando para uma arquitetura mais sustentável, só que existem cenografias, como essa, em que precisamos do aderecista profissional para fazer peças no estilo de carro de escola de samba, mais realista. Este ano fizemos outra experiência, no mesmo metrô, para a série “Rainha Charlotte”.

Qual é o ganho para a empresa?
Quanto mais sua marca é vista, mais ela se espalha e mais as pessoas falam dela. Então, essa é uma estratégia para reforçar a identidade da marca onde está o seu público-alvo. O que as empresas mais pedem é que o espaço seja instagramável. Aí elas criam uma hashtag, as pessoas tiram fotos, postam e isso reverbera no on-line. O grande objetivo é trazer esse conceito de brand awareness, que mede o quanto uma marca é reconhecida pelo público.

Como você se realiza com esse trabalho?
Minha motivação é conseguir ver algo que saiu da nossa mente criativa sendo materializado em algum lugar. É muito doido quando você vê pessoas interagindo com uma ideia que saiu da sua mente. Isso é uma realização. Também é muito prazeroso levar entretenimento para as pessoas. No metrô, conseguimos levar para todas as classes sociais. Meu maior desafio agora é fazer com que essa arquitetura fique um pouco mais permanente. Apesar de praticar bem o desapego, existe uma dorzinha, sim, de ter que desmontar um cenário, ainda mais quando dá muito certo. Mas, pensando na qualidade do trabalho e na qualidade de vida, assim temos mais tempo para pesquisar referências e materiais e executar o projeto, o que a cenografia efêmera não permite.

Em 2020, a empresa mudou de nome e de formato. O que aconteceu?
A área de entretenimento foi a que mais sofreu na pandemia. Uma sequência de eventos cancelados e ficamos quatro meses sem faturar nada. Quando os eventos voltaram, voltaram desenfreados, as pessoas querendo fazer tudo a qualquer custo. Não estávamos mais nesse ritmo. Quando a empresa estava começando e o mercado estava nos conhecendo, fazia sentido. Mas, quando voltamos da pandemia, esse não era mais o nosso perfil, não dava mais para ficar nessa loucura. Queríamos fazer tudo com mais calma. Aí, em 2020, chamamos o Henrique Salles, publicitário e estrategista, para ser nosso sócio. Ele traz mais estratégia e cuida do planejamento. Mudamos o nome para Studio Panda, justamente para fazer menos projetos com mais valor agregado e mais relevantes para termos mais qualidade de vida. Na pandemia, tivemos acesso direto aos clientes, então hoje não participamos mais de concorrência. Mando a proposta direto para eles. Não queremos só fazer projeto. Pesquisamos tendências, público-alvo e avaliamos custos. Se antes entregávamos 30 projetos por mês, hoje entregamos oito e, a título de curiosidade, a minha receita não baixou nem um real. Justamente porque conseguimos entregar um produto melhor e mais completo.

Como surgiu a oportunidade de abrir um escritório em Paris?
O nosso sócio Henrique mora em Paris. Mudou na pandemia. Estamos tentando captar clientes lá, ainda mais que no ano que vem tem as Olimpíadas, mas isso ainda não aconteceu. Com a operação lá, estamos conseguindo fazer reuniões, mas ainda não atendemos nenhuma marca direto em Paris. O que já sabemos é que, durante as Olimpíadas, algumas empresas daqui do Brasil vão querer ir para a França para promover suas marcas.

Quais são os novos projetos?
Vamos fazer daqui a um ano um projeto do Comitê Olímpico do Brasil (COB) para as Olimpíadas em Paris. O COB vai transformar o Parque Villa-Lobos, em São Paulo, no Parque Vila Olímpica. Vamos reformar todas as quadras e construir uma grande arena onde vão ter shows durante um mês. Entretenimento voltado para o esporte. Vamos coordenar toda a construção da cenografia. No momento, estamos mapeando toda a área do parque. É um projeto grande, mas temos um ano para fazer, estamos fazendo com calma. Não me dá mais prazer fazer um projeto atrás do outro, como se fosse pastelaria. Em Belo Horizonte, a gente vai fazer pelo terceiro ano o projeto de cenografia do Fire Festival, da Hotmart, em agosto. Estamos trabalhando também com cenografia permanente. Alguns clientes querem fazer restaurante ou escritório com um tema ou apelo visual maior. Estamos atendendo a Fábrica de Bares e vamos reformular o Riviera Bar e o Jacaré Brasa & Chope para trazer mais identidade visual. Parece um pouco design de interiores, mas não é. A empresa de pivô de irrigação Valley nos pediu um escritório em São Paulo que fosse a cara da marca. Arquitetura de entretenimento vai além de evento.

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